quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Exposição

Exposição permanente e mutante, no Museu Nacional de Etnologia
Joaquim Pais de Brito convida

A exposição foi inaugurada, hoje. Conheci este senhor, em 1973, uma tarde em Santa Vitória do Ameixial, por ocasião de uma sessão de décimas e natural convívio. Apareceu lá, convidado talvez pelo Professor Joaquim Vermelho ou pelo Professor Francisco Rodrigues, não sei, homem novo, calças de ganga, devia ter uns vinte e seis, vinte e sete anos, pois parecia ser da minha idade. Perguntou se conhecia, de Coimbra, Fernando Catroga, o que de facto acontecia, pois tinha lá andado no ano lectivo anterior --  e para lá voltaria no seguinte. Catroga andava mais à frente e logo se licenciou e ficou assistente, a seguir ao 25 de Abril. Sempre se percebeu a sua cultura, inteligência, facilidade de estar com as pessoas e ética. Joaquim Pais de Brito contou um episódio recorrente, do Infante D. Afonso Henriques, irmão de D. Carlos, «o Arreda», porque ao passar nas ruas de Lisboa, com o seu automóvel, coisa raríssima naquela altura, dizia para as pessoas: «Arreda, fdp!» O «fdp» já não garanto...

Joaquim Pais de Brito faz, neste vídeo, a apresentação de três peças: Bacalhau, com cabeça de tartaruga, de Franklim Vilas Boas, de Esposende; uma sarronca de Barrancos (zabomba), sem pele -- o fundo é de lata --; e tampa de panela, em madeira. Adverte-nos da importância da pesquisa, na organização destas exposições e conclui, amenamente:
-- Então, estão convidadíssimos para visitar a exposição permanente do Museu Nacional de Etnologia.

«Apagar a luz», lê-se no canto superior direito do primeiro ecrã. Apaguemos, que se vê melhor.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Adeus, Lucien Donnat


                                               
                                        Hotel Palácio  Imagem da internet         
       

Vale a pena ler! Para certas pessoas, por alguma vez terem entrado num destes hotéis, e é o meu caso, em ocasião especial, familiar; as outras, por um interesse histórico-cultural. E a todos interessará a qualidade do texto e ficar a saber quem foi Lucien Donnat. Vem no PÚBLICO de hoje, de que se cita dois excertos:

 
O excelentíssimo Hotel Palácio, no Estoril, foi concebido, decorado e recomposto por Lucien Donnat (LD) até à hora de morrer. No mais belo hotel de Lisboa, o Avenida Palace, nos Restauradores, em que todos os quartos são diferentes, também continua, intocável, o espírito material do gosto, que não conseguia senão ser bom, do LD. 

Devemos ir aos lugares que LD sagrou. São sítios que não morreram; que mal começaram a nascer. E que exigem a nossa presença, por muito tardia, para reaparecer. Adeus e muito obrigados pelo que nos deu. 
 [Miguel Esteves Cardoso]

No dia 28 p. p., o PÚBLICO trouxe duas páginas consagradas a Lucien Donnat, com «Obituário», por Alexandra Prado Coelho e «O palco como uma fotografia viva da realidade», por Tiago Bartolomeu Costa.
Transcrevo algumas «chamadas»:

Tinha um «enorme bom gosto» e um «humor cáustico». Lucien Donnat, cenógrafo e decorador, colaborador e amigo de Amélia Rey Colaço, morreu aos 92 anos, em Lisboa / João Mota visitou Donnat no hospital: este disse-lhe que queria pintar a Sagrada Família de Gaudi [de «Obituário»]. Viscontiano: entre a ambígua teatralidade dos espaços e a sua profunda verosimilhança [de «O palco...].

                                                                     ***

Adeus, Lucien Donnat 
MIGUEL ESTEVES CARDOSO 30.01.2013


O PÚBLICO de anteontem publicou um encantador obituário de Lucien Donnat escrito por Alexandra Prado Coelho. Também trazia o anúncio do funeral dele: bonito, graficamente inimputável. Como li o anúncio antes do texto da Alexandra, fiquei, primeiro, triste e chocado e, depois, quando cheguei às duas páginas que o PÚBLICO lhe deu, consolado e feliz.

O teatro é uma harsh mistress mas os hotéis são muito menos temporários. O excelentíssimo Hotel Palácio, no Estoril, foi concebido, decorado e recomposto por Lucien Donnat (LD) até à hora de morrer.



No mais belo hotel de Lisboa, o Avenida Palace, nos Restauradores, em que todos os quartos são diferentes, também continua, intocável, o espírito material do gosto, que não conseguia senão ser bom, do LD.

Os hotéis - a começar pelo Palácio, cujo recorte e cuja dignidade estética tiveram a coragem inteligente de tudo ficarem a dever, durante muito mais de meio século, a LD - são muito mais perenes do que as peças de teatro. O Palácio do Estoril é certamente o hotel mais bonito, confortável e elegante de Portugal. LD é o autor das mais recentes actualizações. O que mais surpreende no Palácio não é o passado (Graham Greene, John Le Carré), mas o futuro, sabiamente garantido por Lucien Donnat.



Devemos ir aos lugares que LD sagrou. São sítios que não morreram; que mal começaram a nascer. E que exigem a nossa presença, por muito tardia, para reaparecer. Adeus e muito obrigados pelo que nos deu. 

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Carnaval 2013



Hoje, de manhã. O Carnaval anuncia-se, a televisão aparece



Antunes da Silva

ESTOU A LER...

SUÃO
Há muito que queria ler este livro de Antunes da Silva, por causa do poeta popular Jaime Velez, o Manta Branca, Cano, concelho de Sousel; com grande prestígio na região de Estremoz. Era um maltês, sinónimo de vida errante, sem trabalho muitas vezes, trabalhando outras. Tinha mulher. Uma das suas mais famosas décimas, a das «açordas sem azête», comida de «quem produz e quem trabalha», sabia eu que tinha tido guarida em SUÃO, de Antunes da Silva. 72/73 foi o ano em que, com o amigo professor, Francisco dos Santos Rodrigues, persistentemente procurámos conhecer e ouvimos, sobretudo em Santa Vitória do Ameixial, terra do Chico, homens da(s) aldeia(s) a declamar décimas. Na recordação deles, e no respeito, o Jaime (faleceu em 1955) era figura maior. Às vezes, o Dr. António Simões acompanhava-nos. 

Também em CERROMAIOR, de Manuel da Fonseca, se não no livro, pelo menos no filme com o mesmo nome*, aparece a cena do ganhão a dizer os versos hostis ao patrão, o «mão negra», e seus convidados. 

Talvez tenha havido prevenção da minha parte contra um certo activismo jornalístico de Antunes da Silva, de que mais ou menos incertamente ia tendo notícia. A verdade é que... Se é bom, é bom. Chegou a hora deste e de outros livros deste autor, para mais, de Évora. Assim que acabar SUÃO, direi mais qualquer coisa. Vejamos, por hoje, somente a passagem em que o «Pouca Lã», encharcado até aos ossos,  é  «empurrado» pelo Dr. Maldirro para dizer os versos (págs. 87 a 93).
* ... de Luís Filipe Rocha, 1980.

***

-- Vamos lá ouvir esses versos, pá! Ou tás bêbado?...

Poucos gostaram da gracinha e logo todos se calaram, quando o ganhão, olhando o provoador e abrindo os braços, repetiu:
 -- Lá vai décima, mê povo!
Fixou o tecto da casa e de repente atirou a vaia, no seu sotaque mourisco:

Quer então esta gentinha
     Que eu com graças e deleite,
    Mas só dão a quem trabalha 
Uma açorda sem azeite...

Os que fitavam o «Pouca Lã» por curiosidade, e aqueles que o olhavam por chacota nem aplaudiram, nem censuraram versos tão arrebatados. [...] [...] O Dr. Maldirro, esse, está abrindo os olhos, rangendo os dentes, [...] [...] Mas, num lapso de segundo, compreende que é preciso compor o ambiente:
-- Outra décima, rapaz, tu hoje não estás bom!...
[...]  [...]  [[«Pouca Lã» vai dizer versos, mas...]] Olha novamente para o tecto, olha para o lado, a puxar os versos, e, num relance, vê cães a comer os restos da caça da manhã, bocados de abetarda, lebres, perdizes, narcejas, etc. Então, é como se tivesse visto o demónio. Já não quer saber de festas, nem de árvores, nem de bichos. Agarra na samarra com as duas mãos e arrebenta toda a loucura do seu pobre coração de abandonado:

      Quem me dera ser rafeiro
Da matilha do patrão,
    Pra dormir em fofa cama
     E não ter mesa sem pão!...

Todos ficaram calados. Nem palavras, nem gargalhadas. Todos ficaram calados e, só passados uns bons segundos de expectativa, o Dr. Maldirro ordenou, numa voz que já não era a sua:
-- Vai-te, galdério! Some-te, amanhã fazemos contas!
E olhou o Rui da Penha. E olhou o Lúcio e o Marcos da Cruz... 
[...] [...]

***





Igreja de S. Pedro







Igreja de S. Pedro - Composição em fio metálico, ali posta no Natal

Esta composição, de que desconheço por enquanto o autor e as condições da encomenda, é agora de todos nós os que por ali passamos. Conforme o ângulo, vê-se coisas diferentes. É a Sagrada Família. Duas pessoas quase formando um só corpo, e entre elas como em ventre materno uma criança. Deixa-me perplexo. 


sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Sarge

O Sarge, visto do alto do Senhor do Calvário, Matacães

A Terra e a Gente

     A Terra e a Gente. É uma expressão que me acompanha há muitos anos. Associo-a -- ou nasceu aí mesmo -- a um período que passei em alguns concelhos do distrito de Bragança, incluindo Miranda do Douro. Esta terra é uma das minhas paixões. E havia na Idade Média uma área política-administrativa-militar chamada Terra de Miranda. A Terra e a Gente é o nome que daria a um livro, se fosse capaz de o fazer, que contasse tudo da terra-mãe e suas qualidades e das pessoas em sua luta e nos monumentos que nos foram deixando, da mais variada ordem. Monumento é entendido aqui de maneira muito larga, englobando criações, obras, em suporte material ou imaterial. Se podemos chamar imaterial a algo que temos na memória. Uma conversa havida pode ser um monumento. Uma grande vida é um monumento, mesmo que a pessoa que a viveu não tenha esculpido, pintado, trabalhado a madeira ou a pedra, feito por suas mãos seja que objecto for; mas teve uma ideia, um sonho, prosseguiu, avançou, recuou, chamou a si, converteu, organizou, fundou, defendeu, construiu. Esta vida-monumento anda em algum lugar, mesmo que a sua existência seja só o ter sido. Essa colossal memória, mesmo que não actuada em espírito nenhum, não deixa de ser o ter sido, mesmo sem consciência que a conheça. Tudo o que foi acontecendo no universo em todos os seus «reinos» se vai somando a essa prodigiosa existência sempre em incremento e, assim, o universo em cada instante é infinitamente mais pequeno que o que o antecedeu.
     
     Houve mais Terras; a Terra era uma circunscrição territorial, mas foi a Miranda que me afeiçoei e lá que meditei, fruí a expressão e o que ela encerra. O amor da paisagem, as colinas, as serras, as árvores, a floresta, os campos quase sem coberto vegetal, os rios, as ruas, o amor das pessoas, do que fazem, da história, das histórias, dos animais...

     Aqui marcarão presença: Évora, Montargil e Ponte de Sor, também Lisboa e Torres Vedras, com as aldeias que a rodeiam, entre elas, Sarge, onde habito. E mais povoações e cidades, de cá e lá de fora. Livros, fotografias, postais ilustrados, notícias, coisas do dia-a-dia.